domingo, 26 de agosto de 2007

Day and Night

Podia começar a minha crónica fazendo referência às incontáveis vezes em que ouvi o tema que dá titulo aos meus escritos, mas acabada de o fazer, não o vou fazer mesmo.
Já perceberam, não já?
Estou para lá de furi-bunda (e sim, se têm furinhos na dita é celulite, pela certa).

O dia e a noite têm, descobri, uma evidente relação com o ódio e o amor. E eu, que nem gosto de facilitadores proverbiais, admito: um é sempre o que está mais perto do outro. O dia da noite. O ódio do amor.
Na noite os sentimentos opõem-se e andam à velocidade da luz, com efeito directo sobre a piada da inteligência ser tão rápida como a dita: até abrirem a boca todas as pessoas podem ser inteligentes. Mas, depois, à mulher de César há que sê-lo, mais do que parecê-lo.

Estava eu a apreciar o look trendy de um destes RP’s da noite quando, pecado capital, pisei uma Zona Reservada a, como dizer, pseudos.
- “Esta zona é reservada!”
– “Ah! Ok, eu sou organização: só quero dar uma vista de olhos”
– “Então, rápido que isto é só para figuras conhecidas”.

Julgo que nem o pensamento mais grotesco de Rafael Bordalo Pinheiro (uma figura muito conhecida, sobretudo quando era vivo!) chegou sequer ao pé dos que se cruzaram nos meus hemisférios cerebrais e que determinaram, igualmente, um belo corar de bochecha num sentimento humilhante que já não sentia há alguns anos.

Foi assim, que em vez de uma bela palmada, dei um passo atrás e dei a mão à palmatória: o amor pode transformar-se em ódio num instante. E uma noite pode estrelada transformar-se no inferno do trânsito da baixa portuense às seis da tarde. E eu posso transformar-me numa anta, mas deixei isso para o meu interlocutor que de repente passou a ter o look mais parolo da noite. Do mês. Aliás: do ano.

Na realidade, a prepotência e a arrogância conseguem passar bem mais despercebidas durante o dia. Durante a noite: são transparentes e angulosas como cubos de gelo. E o problema é que não se dissolvem na essência de nenhum liquido em que as tentemos dissolver: ficam sempre, para sempre, marcadas no nosso cartão.

Eu odiava as faltas de educação na noite. Eu amava os Bons-dias feitos de croissants com manteiga e fiambre. Mas depois passei a odiar as faltas de educação de dia. Eu amava os Boas-noites feitos de café com cheiro de canela. E, por fim, eu odeio a minha capacidade de amar a ideia de que as pessoas e coisas não são estanques. Eu continuo furi-bunda. (e tenho medo e espreitar para o meu… vocês sabem).

Não. Não estou zangada por não entrado na Zona Reservada.
Não. Não estou zangada por não ser uma pessoa conhecida, mas apenas e somente por não me lembrar do nome do tal RP – oh querido, lamento, mas também não te conheço de lado nenhum – de forma a escancarar com todas as letras a falta de educação e alertar os leitores mais pacientes que o mundo tem.

Eu pago a canela, alguém me convida para o café? De dia, ou quem sabe, de noite.

1001 Noites

A minha prima vai sair à noite: ponto final
Travessão, paragrafo: a minha Tia não deixa. Diz que a noite é perigosa, que se passam coisas estranhas, “ás vezes morrem pessoas nas discotecas e outras são raptadas”. Às vezes, sim. Outras há que não. E não, mães e tias, já não há (d)aquelas coisas que se passam só à noite. Sim, há pessoas que fazem sexo á tarde e outras mesmo que o fazem de manhã. “Já não há respeito”. Pois não, e é tão bom.


Na altura em que a Gabriela era sucesso – Pitanguy se eu te tirar o chapéu, tiras-me aqui uma coisinha ou outra? – eu tentava fugr do berço para pôr cartuchos no rádio. Quando se via o “Roque Santeiro” o meu Rock era o Astley… Por isso há muito que virei essa Página da Vida e encontrei o meu Paraíso musical.
Fiquei, portanto, a modos que encalacrada, quando a minha tia - prestes a ficar com a carótida perigosamente irrigada -, expulsou a minha imberbe prima da sala tentando, assim, evitar que ela visse uma cena de telenovela imprópria para menores de 18 e para maiores de 60.

A resmungar SMS numa linguagem incompreensível, a minha prima só deu um passo dentro do meu reino nocturno e estagnou (ou na linguagem dela: FDX, a cota paxouxe).
Roupa por todo lado, sapatos em cima da cama, colares e pulseiras nos candeeiros, maquilhagem pelo chão e a Kylie Minogue na vitrola. Não posso garantir, mas julgo que eu própria estaria apenas de monoquini o que é cenário para provocar um choque a qualquer um. Eram as early-hours da minha primeira noite de estragamento da semana e estava num daqueles dia em que a única coisa que assenta é o rabo na cadeira mais escondida do club.
Quilos de duvidas depois saímos muito aprumadas do meio do reboliço, quais Fénix preparadas para as 1001 noites. Mil para mim, a primeira para ela.
“Oh psius, onde é que vocês vão?”
Tia, não sejas flausina, vamos sair. E não é psius, é fenixes renascidas do tufão quarto de vestir.
Acha ela, a minha tia, que a sua primogénita é demasiado nova para sair. Que não é ainda madura, que precisa é de brincar e que até mesmo as cenas da novela são fortes demais. Que à noite se passam coisas estranhas, que há pessoas que morrem e outras que são raptadas à luz do dia. Ou do candeeiro. Ou “do raio que parta que já me estás a deixar nervosa com esta conversa”.
FDX, a cota paxouxe!, mensagei eu à minha prima embonecada.
Não me parece que a noite seja mais perigosa que o dia. De dia também conduzo com as portas do carro travadas. De dia há os mesmos assaltos, são raptadas as mesmas crianças até em hotéis e, sim, há pessoas que fazem sexo. Bastantes até.
“A noite já não é como antigamente”.
Concordo, mas não é necessariamente pelos piores motivos. Pode existir menos saudosismo e mais vaidosismo, menos cocktails e mais bebidas maradas, menos respeito e mais decotes, menos mulheres tímidas e mais engate, menos adultos e mais hordas de adolescentes embrutecidos, mas há sobretudo liberdade para escolher. E há, quer queiramos quer não, uma certa selecção natural dos espaços que frequentamos e mesmo dentro desses, vemos sempre e só o que quisermos ver.

Por isso, e com a balança todinha nas ancas dela, a minha tia está cega. Não viu, ainda, que na turminha de 15 anos da minha prima ela é a única que ainda não saiu, enquanto a conversa típica das amiguinhas é quantos conseguiram aguentar. Copos e namorados e lá se foi a semanada. A minha tia, a ver novelas desde 1977, ainda não percebeu que sair à noite não significa fazer sexo pela primeira, pela segunda ou pela milionésima (primeira) vez. A noite já não é o bicho papão que só traz o mal porque esse, agora, pode muito bem ser o vizinho do segundo-esquerdo ou o amigo do pai que às vezes joga cartas lá em casa. A noite, minhas senhoras, é essencialmente uma festa que, bem vivida e às vezes bem bebida, só se pode transformar numa boa recordação, numa gargalhada especial, naquele episódio que nunca se vai esquecer! (Mesmo porque a falta de luz evita tantas desilusões…)

“Oh psiu, não me venhas com essas tuas filosofias, que a minha filha não se vai perder.”
“Mãe! Não te preocupes que os rapazes que eu conheço só querem namorar com miúdas de 13… São as únicas que são virgens!”
E, posto isto, quais hormonas saltitantes, desatamos a correr pela porta fora, antes que a carótida nos esguichasse o modelito e as fenixes se transformassem em cinza.

Já na rua fizemos uma espécie de Jura-Jura: para o bem e para o mal, nunca mais vamos ver telenovelas! Estávamos nisto até que um carro, cheiinho de cabelos loiros e borbulhas vermelhas, parou ao nosso lado:
“FDX, as cotas paxaxarams!”, e no cristalino som de uma gargalhada que liga gerações guardamos o nosso momento.

Ah e Tia?
À noite todos os gatos são pardos, mas nem todas as gatas são parvas.
E sim, ela ainda é virgem, mas não esperes que dure mais 193 episódios.