quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cinzentos

Postos para trás os clichés que nos limitam os dias e turvam a imaginação, não deixar de ser de la palisse a verdade que garante que a vida é uma montanha russa.Prefiro reduzir a situação fatalista às fases normais de uma existência que, esperemos, tenha mais altos que baixos embora sejam as descidas que garantam mais adrenalina numa cidade onde passo os dias entre prédios cinzentos e pessoas da mesma cor.

Ao contrário dos que sofrem de ausência de cor são os cinzentos que menos vemos: são aqueles para quem não olhamos em semáforos que teimam em não mudar de cor, nas soleiras das lojas em que já não queremos entrar, no corre-corre de uma vida feita a contar os tostões que nunca chegam e que todos os dias adiam os sonhos na esperança do que há-se ser. Mas nunca é.


A drástica mudança das minhas rotinas semanais fez-me encontrar essa cor, esses rostos nos restos da festa que é a vida. A minha. A nossa. Vivida com poucos sobressaltos e com a certeza de que no próximo fim-de-semana há sempre mais.

Esses cinzentos, como a roupa que trazem, são os que estão atrás de nós. Os que não têm direito à festa, mas se alimentam dela. No casos com mais sorte são os que se alimentam com um ordenado feito de miséria e que nunca lhes permitirá ultrapassar a barreira da condição que lhes foi imposta. São os que consideramos incultos, e que muitas vezes rotulamos de feios e de mal vestidos. São os que ouvem musica que canta os sonhos que querem alcançar.

Outros, alimentam-se dos restos da própria festa: aproveitando as migalhas que indolentemente deixamos para trás. Um copo meio vazio. Um cigarro meio fumado. Um lenço meio usado que não voltamos atrás para apanhar. A roupa que deitamos fora, porque apesar de nova: já não se usa. Dormem nas mesmas soleiras que abrigam os nossos sorrisos e não esperam que no final da noite nos sobre mais qualquer coisa para oferecer que não o desprezo. Mas ficam lá. Por vezes até pedem beijinhos às meninas que passeiam. Elas, cheias de cor. Eles, cinzentos. Não se tocam. Nunca vai acontecer. Até ao dia que o decidirmos. Até ao dia que o clã da noite, olhado - também - de soslaio pelas outras classes se una e mostre respeito por aqueles que têm menos, mas podem ser mais. Está na nossa mão, no nosso dar a mão. Sejam pretos, ou brancos: façam por isso. O mundo agradece. E os cinzentos também.

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